Antes de tudo, devo chamar atenção aqui que o nome Espondilite Anquilosante é antigo. Atualmente a doença é conhecida como Espondiloartrite Axial (EA) Radiográfica ou Não radiográfica.
Faz muito sentido pra nós, reumatologistas, porém entendo que seja mais difícil para a população leiga. Então entendo se você quiser continuar chamando de Espondilite Anquilosante.
Vá direto ao ponto:
- O que é a Espondilite Anquilosante?
- Qual especialidade cuida da Espondiloartrite axial – Espondilite Anquilosante?
- Mas se axial se refere à coluna, então existem as formas não axiais?
- Por que a Espondiloartrite Axial acontece?
- Quais são as causas e fatores de risco?
- Como a doença se manifesta?
- Como é realizado o diagnóstico?
- Como é o tratamento da Espondiloartrite axial (ou Espondilite anquilosante)?
- É possível conviver com a Espondilite Anquilosante?
O que é a Espondilite Anquilosante?
Trata-se de uma doença inflamatória crônica que afeta principalmente a coluna e as articulações sacroilíacas, que são as juntas que conectam a coluna à bacia.
Ao longo do tempo pode haver fusão das vértebras e das sacroilíacas, num processo que chamamos de Anquilose – daí o nome Espondilite (inflamação das vértebras) Anquilosante (que fundem).
Essa fusão não ocorre em todos os pacientes, ainda bem, mas ainda assim a inflamação pode trazer muita dor e prejuízo da qualidade de vida.
Mas é justamente por não ocorrer fusão em todos que o nome Espondilite anquilosante caiu por terra. Espondiloartrite axial, que basicamente significa artrite que acomete a coluna, é um nome que representa de forma mais abrangente os pacientes. E chamamos de radiográfica quando verificamos fusão ou outros achados no raio X, e não radiográfica quando não conseguimos visualizar essas alterações. Faz sentido, não é?!
Mas veja bem: pode haver acometimento de outras partes do corpo além da coluna e sacroilíacas, e isso vamos falar mais ali em baixo.
Qual especialidade cuida da Espondiloartrite axial – Espondilite Anquilosante?
A Reumatologia é a especialidade médica que diagnostica e conduz o tratamento das pessoas com EA.
A Dra Luiza Porto é Reumatologista com mais de 10 anos de experiência na condução de pacientes com doenças reumáticas inflamatórias, atuando como preceptora da Residência Médica em Reumatologia do IPSEMG.
Mas se axial se refere à coluna, então existem as formas não axiais?
Sim! A EA faz parte do grupo das espondiloartrites, que são doenças que potencialmente afetam a coluna, mas também podem afetar outras partes do corpo e tem algumas características em comum.
Por que a Espondiloartrite Axial acontece?
Trata-se de uma doença auto-imune: a imunidade, que deveria apenas nos proteger de infecções e células defeituosas, passa a atacar estruturas do próprio organismo, gerando inflamação.
No caso da EA, a principal estrutura atingida, além das articulações, são as ênteses, que são os pontos onde os tendões e ligamentos se inserem no osso.
Ao longo do tempo pode haver uma ossificação ali facilitando o processo de fusão.
Quais são as causas e fatores de risco?
Genética / história familiar: A genética é super importante aqui. Das doenças reumáticas, é uma das que a História familiar mais faz diferença.
Existe um gene que se chama HLA-B27 que está presente em 50 à 90% dos pacientes com EA, sendo um grande fator de risco. Mas veja bem que ter o gene não quer dizer ter a doença. É preciso a ação de diversos fatores desencadeantes pra que um portador do gene realmente fique doente.
Na nossa população brasileira, temos uma prevalência estimada em 4.35% de positividade do gene, ou seja, a cada 100 pesoas, 4 ou 5 vão ter o gene.
Porém a prevalência da doença propriamente dita é bem menor: menos de 1 a cada 100.000 pessoas. Viu só que ter o gene não é suficiente? São precisos outros fatores ambientais pra que a doença se manifeste.
Idade: é uma doença de pessoas jovens, com pico entre 20 à 40 anos. Pode acometer até crianças, sendo menos comum que se inicie após os 45 anos.
Sexo: mais comum em homens, com proporção de cerca de 3 homens pra cada mulher acometida. Chama atenção também que as mulheres costumam ter formas axiais (da coluna) mais brandas, com predominância de sintomas em articulações fora da coluna. Isso não é uma regra, no entanto.
Fatores ambientais: condições que ativam o sistema imunológico como infecções podem ser um gatilho para manifestação da doença.
Como a doença se manifesta?
- dor lombar e/ou em nádegas: esse sintoma é típico, e geralmente tem caráter inflamatório, ou seja, pior após um tempo de repouso e com rigidez, tornando o fim da madrugada e as manhãs períodos muito sofridos. Não é incomum observarmos uma dor alternante em nádegas, ou seja, uns dias temos dor numa nádega, em outros na outra.
- rigidez matinal: já falado ali em cima, ocorre ao acordar, trazendo grande dificuldade de mobilização nas primeiras horas do dia, e tende a melhorar ao longo do dia e com o movimento.
- postura encurvada, que geralmente se manifesta mais tardiamente.
- fadiga, que é um achado que ocorre em doenças inflamatórias
- inflamação em outras articulações, sendo mais comum em quadris, joelhos, tornozelos, e por vezes ombros.
- inflamação nos olhos – uveíte. É uma inflamação aguda em que o olho fica vermelho, doloroso, com sensibilidade à luz, e é uma urgencia oftalmológica, já que se não tratado pode deixar sequelas que comprometem a visão.
Vou aproveitar aqui pra deixar um recado do coração: olho vermelho deve ser visto por oftalmologista! Clínico não sabe diferenciar se é uveíte, conjuntivite, ceratite, esclerite, ite ite ite… quem sabe isso é oftalmo. Pronto atendimento clínico não é apropriado!
Como é realizado o diagnóstico?
Esse é um grande desafio, pois ao mesmo tempo que existem casos óbvios, existem casos que por serem muito iniciais tem sintomas confusos, e ainda temos várias outras causas de dor lombar que se confundem com a EA.
- Anamnese médica: é a entrevista médica que vai avaliar todos os sintomas apresentados pelo paciente e tentar esclarecê-los o máximo possível para definir se são compatíveis com o diagnóstico ou não.
- Exame físico: o exame completo e detalhado é essencial para definir achados que sugerem a condição ou seus diagnósticos diferenciais, bem como para definir achados que já sejam sequelares.
- Radiografias: se achamos alguma alteração típica na coluna ou sacroilíacas, a doença provavelmente já existe há algum tempo. Nesse caso, outros exames mais avançados como a ressonância magnética podem ser dispensados a depender do julgamento clínico do médico que avalia. Também importante no acompanhamento dos pacientes.
- Ressonância Magnética: exame mais adequado para visualização de achados inflamatórios mais precoces, podendo ser também ferramenta importante no acompanhamento dos pacientes.
- Exames laboratoriais: pode ocorrer aumento de provas inflamatórias como a Proteína C reativa e a velocidade de hemossedimentação, além de anemia de doença crônica. Não são obrigatoriamente alterados. Além disso, podemos avaliar se há presença do HLA-B27.
Vamos abrir um espaço dedicado à ressonância magnética:
Esse exame tem que ser visto com MUITO cuidado. Infelizmente muitos radiologistas não têm vivência de Espondiloartrite e acabam caracterizando achados discretos, que são por sobrecarga das articulações sacroilíacas, como Sacroiliíte (inflamação da sacroilíaca), e como isso dá dor de cabeça. Imagina… Você lê um laudo falando de Sacroiliíte e chega a conclusão que tem Espondiloartrite. Daí vai num ortopedista* (comentários abaixo) que confirma sua suspeita e te encaminha pro Reumato. Você já está se preparando pra viver com a doença, lendo muito sobre o assunto. No dia da consulta do reumato ele fala que não, você não tem EA. Mas o laudo da ressonância diz que sim! Uma confusão, né?! Em quem confiar? Se o HLA-B27 for positivo então…
*Não estou dizendo que os ortopedistas sejam ruins, de forma alguma. Mas EA, embora afete o osso, não é doença da área deles. Eles não treinam avaliação do paciente reumático e interpretação de exames como os reumatos. São especialidades diferentes.
O melhor a se fazer, no final das contas, é fazer a ressonância num serviço de radiologia com experiência em Espondiloartrites e confiar na avaliação do reumatologista. Temos treinamento para diferenciar as características da imagem que falam a favor ou contra a doença. Sobrecarga também causa alteração na imagem, mas nem tudo o que brilha é ouro. Ou melhor, espondilite.
Como é o tratamento da Espondiloartrite axial (ou Espondilite anquilosante)?
É doença crônica? sim. Tem cura? não.
Tem controle? Tem! E dá pra viver com qualidade de vida.
Tratamento não medicamentoso:
Hábitos de vida saudáveis como uma alimentação balanceada, manter peso normal, não fumar, evitar bebida em excesso, isso é bem vindo pra todo mundo.
Exercícios físicos, de preferência de baixo impacto, como natação, hidroginástica, caminhada, bike, pilates, musculação, entre outros, ajudam muito na manutenção de boa musculatura e mobilidade. Alongamentos e exercícios de mobilidade também são essenciais nesta condição que leva a uma tendência de fusão da coluna. Pode ser necessário fisioterapia em alguns momentos.
O controle da postura é importante para que mantenhamos a coluna em bom alinhamento. Cuidado para não ficar encurvado nas atividades do dia a dia é essencial. E muito cuidado com travesseiro alto!
Tratamento medicamentoso:
- antiinflamatórios não esteroidais: essa classe de medicações é a primeira linha de tratamento e deve ser utilizada a menos que haja contraindicações. Muitos pacientes conseguem ter sua doença controlada desta forma. E não se assuste se for indicado uso contínuo por meses. É assim mesmo. Poderia agredir os rins? sim, sempre pode, né?! Mas o paciente com EA geralmente é jovem, tolera bem a medicação, e o tratamento é monitorado.
- Medicações modificadora de doença (DMARDs): podem ser utilizados no caso de outras articulações periféricas afetadas ou no caso da uveíte, mas não atuam na coluna.
- Imunobiológicos: são anticorpos sintetizados que atuam especificamente bloqueando substâncias inflamatórias, e são indicados naqueles que não respondem adequadamente aos antiinflamatórios ou DMARDs. Na história das Espondiloartrites foram um grande divisor de águas, e temos visto cada vez menos pacientes com doença grave e sofrida desde que estas medicações apareceram. Apresentam custo muito elevado porém são disponibilizados pelo SUS e pelos planos de saúde.
É possível conviver com a Espondilite Anquilosante?
Claro! Por mais desafiador que pareça, com um acompanhamento correto é possível levar uma vida normal (as vezes com uns remedinhos, né). Ter um diagnóstico correto, de preferência precoce, e ter boa adesão ao tratamento medicamentoso e não medicamentoso faz toda a diferença.
Acompanhamento da saúde mental e apoio da família também é importante porque ter um diagnóstico de uma doença crônica não é fácil.
Conhecer a doença e suas manifestações é ferramenta importante para que o paciente compreenda bem sua saúde e identifique quando algo não está indo bem.
LEIA TAMBÉM:
Cartilha da SBR sobre Espondiloartrite
ÚLTIMAS POSTAGENS